Tem um poema
por cima de teu ombro
Um passarinho vermelho
aparecendo na madrugada
Fugindo na noite
com nossos abraços
Aquela suavidade da vida
depois o tempo da eternidade
Tem um pássaro vermelho
por cima do teu ombro
Vem
Vamos ver o mundo
Pra o transformar
(Caderno nº16 / 27-11-2022)
Mas Rio tá tão triste
Nunca vi essa tristeza
Parece como uma parada
da vida
Uma impossibilidade
de ver
E Rio foi tão triste
mesmo com o seu céu
transparente
Somos invisíveis
(Caderno nº15 / 03-07-2022)
Tempos acirrados
como a gente diz
por aqui
E o suco de caju
não pode dar conta
O mundo fechado
O dia a dia difícil
Na lanchonete
na esquina das ruas
Carlos de Carvalho
e Carlos Sampaio
Lapa
Cada um se vira
até o dia seguinte
Na calçada do lado de lá
Um rapaz com um penso
na têmpora esquerda
vende frutas na rua
- Vai ser melhorando
- Se Deus quiser
diz um outro
(Caderno nº15 / 30-06-2022)
E agora a tempestade
ameaça
O trovão reduz ao silêncio
a natureza
Até a luz
que se torna tímida
cinzenta
O dia está nos oferecendo
a chuva
Como um abraço
Vamos sair
vamos sentir
O gosto da água
Já estamos
no Rio de Janeiro
(Caderno nº15 / 19-06-2022)
Il faut faire surgir des images, les prendre à la vastitude du réel pour trouer (ou troubler) ce qui est. Le poème, c’est cela, l’image apparue, comme pensée d’un sens en cours de destruction. La beauté n’est plus une norme. Elle est, ce qui altère et fissure l’ordre ordonné du langage, façonné par l’image. Le poète – Moi, je, poête!, disparaît. Il reste la poussière de la pierre, la nervure de la feuille, ou l’or de la lumière. L’image te regarde, elle touche dans le jeu qui la sépare d’une sœur, ce qui manque. Ton langage qui n’est pas celui des autres, mais tu n’existes pas sans eux, le poème déchiffre l'aporie en lui donnant de l’air. Il vole. Le poète est Azor.
Um ramo de cerejeira
quase entra
na casa
A luz do sol
na madrugada
faz fremir suas folhas
O mundo é mudo
Nesse silêncio
só percebo no seu sopro
Um desejo de ser
como um beijo pode caber
o gosto do mar
Na casa
o ramo de cerejeira
traz suas frutas
em cima da mesa
A mesa dos poemas
(Caderno nº15 / 29-05-2022)
Pode-se ouvir os cachorros latindo
semelhantes os de Santa Teresa
no Rio de Janeiro
Está estranho ver como um tempo
penetra um outro
As imagens estão viajando
esperando um som ou uma pedra
pra tornar-se
numa lembrança
E agora vou partir
até aquele Brasil que curto
Na verdade sem vontade
fugir ou buscar
uma sensação outra da vida
Mesmo se na minha casa
me sinto perto
das palavras do Manuel do Barros
(Caderno nº15 / 15-05-2022)
Mal o silêncio
sempre tem um ave
ou o movimento dum ramo
Tudo isso que te faz sentir
que a vida é frágil
breve
Mas não adianta desesperar
só viver aquela
Momentos
Amores
Até mesmo a solidão
quando o presente
tá desequilibrado pela uma lembrança
Nada mais
Você lembra
(Caderno nº15 / 08-05-2022)
Depois uma chuvinha
o sol estende os braços
Quero partir
longe
Fora das palavras furtadas
Somente sentir a sua luz
Ficar num lugar quieto
Até a solidão
Sabe
não espero mais nada
No entanto
o canto dum pássaro
pode me levar
e no tempo de escrever
já estou outro
Venha
(Caderno nº15 / 24-04-2022)
No alvorecer da Páscoa
o sol
apareceu num silêncio
Somente a sua luz
nas ervas altas
Sem palavras
Fiquei um momento
privilegiado
deixando os segundos
me atravessar
O mundo assim parece tão simples
Fácil
Queria te escrever
pra fazer daquele dia o seu niver
Mesmo se não fosse
o dia certo
Podermos o marcar
Em nosso tempo
Vamos fazer uma festa
Vamos ser feliz todo esse dia
(Caderno nº15 / 17-04-2022)
Comme un reste d’étreinte
à l’aube
et que les arbres
les pierres
et même les chiens
te tutoient
La peau touche l’air
quand s’enlève
l’habit
Alors juste ressentir le froid
de la nudité
L’eau très calme
aussi de la douceur
SE BAIGNER DANS LA MER
(Cahier n°15 / 12-04-2022)
Tenho tempo
essa manha
Quando os vizinhos
estão dormindo
Sinto o sol
como se fosse o primeiro do mundo
O tempo
é a sua duração
Fora dos sonhos
Tenho tempo
E você
Sabe que faz falta
a sua presença
Mas deixo na luz
tantas lembranças
desaparecendo
No movimento dum ramo
No verde
duma folha nova
Oferecida pelo seu poema
Tenho tempo
(Caderno nº15 / 10-04-2022)
Se trata dum domingo
igual ao outro
for daquela luz
do sol
Que me conta sua história
uma história sem palavra
Somente a duração
do tempo
que se abre
Antigamente teria pôr
o meu coração
sobre uma pedra
Aquela do Drummond
como uma armadilha
para te atrair
Mas hoje ninguém mais
se liga com a poesia
Então vou deixar
esta luz
me atravessar
e levar as minhas esperanças
longe
Remoto de nós
(Caderno nº15 / 27-03-2022)
Há a primavera
que vem apesar de tudo
A luz daquele sol
tímido
tá como um beijo
Lembre
um momento na sua vida
raro
abandonado num desejo
sem preocupações
Uma alegria de ser
alguns minutos
Como a gente poderia imaginar
a vida
simplesmente
Venha
(Caderno nº15 / 20-03-022)
A idioma
do poema
se afasta de ti
cada vez que fecha
Teus olhos
Tão difícil que seja
seus versos
Sempre devem ser
atravessados
pela luz
Mesma suja
mesma triste
A luz é o silêncio
do poema
Não tem idioma
se não tem silêncio
Hoje
estou precisando dum poema
e dum silêncio
Que teria oz força
Dum grito
(Caderno nº15 / 06-03-2022)
A consciência do tempo
quando você pode
sentir
O movimento das coisas
O sol na mesa
suas sombras
O calor
até os ossos
Estamos precisando um equilibro
entre uma sensação
e um pensamento
Nunca soube
como viver
Não sou triste
mas alegria tá tão volátil
Mal a sinto que foge
Cadê você
Cadê você
O dia está como um abraço
e agora vêm
Tantas lembranças
Apesar do teu medo
(Caderno nº15 / 27-02-2022)
Perco tudo
Fora do movimento
das sombras
deixadas pelo sol
na mesa dos poemas
Pouco a pouco
me torno o vento
Mateira do tempo
Erva grande
deitando
Me traino
pra ficar
Uma aparição da luz
Na verdade
só apercebo-me
que estou
te esperando
(Caderno nº15 / 20-02-2022)
Se tiver tempo
na solidão dos dias
Não faça nada
Deixe
o vento
atravessa-te
Você sente
(Caderno nº15 / 13-02-2022)
Por aqui
está frio
Frio de domingo
Quando sente
o afastamento dos outros
sem sequer saber
o que você quereria
Fora um pouco
do sol
Da sua luz
e do calor dum beijo
Escondido
numa lembrança pobre
De repente um retrato
rasgando o presente
pra queimar
essa realidade
(Caderno nº15 / 06-02-2022)
O dia seguinte
vi a luz da madrugada
abrir a janela
Abrir
Fiquei assim
olhando fora
sem fazer nada outro
Já disse que gosto a luz
Ela é o meu remédio
também as minhas viagens
Penso no seu corpo
no sol nascente
Vamos descansar na praia
do Canto Verde
Ceará
Venha comigo
estou te esperando
Atraz naquela janela
atravessada pela luz
desse dia
(Caderno nº15 / 30-01-2022)
Vou estender
os meus braços
até os seus sonhos
Vamos fender
a realidade
Abrir os caminhos
dum desejo seu
Pois preciso dum tempo
lento
Pra acariciar
a pele do mundo
O movimento
das nuvens parecendo
um pensamento
desconhecido
Ou como diria o Pessoa
Acho que estiver possível
Sentir
com seu mente
(Caderno nº15 / 23-01-2022)
Me afastei
tirando a cortina
pra escrever
O sol está forte
demais
Me afastei
e no meu poema
nunca me senti
tão perto
de você
(Caderno nº15 / 09-01-2022)
O dia trouxe
uma calma estranha
Cadê o sol
Desde a minha infância
fiquei combinado com ele
Um acordo secreto
É por isso que viajo
Ver o sol
Assim fui no Brasil
Assim fui no Congo
Sabe porque
Descobri que sobre a linha do equador
ele estava mais grande
Simplesmente porque você está mais perto
Já preparei as malas
(Caderno nº14 / 14-11-2021)
Vamos na Bahia
como uma ultima vez
Dormir na praia
Acordar-se com o sol
da madrugada
Escrever um poema
na areia
sabendo que o mar
irá o fazer
desaparecer
Vamos na Bahia
encontrar gente
de poucas palavras
certas
Porque sempre
devemos esperar algo
nessa vida
As vezes também é bom
esquecer
Ser o que vai acontecer
Vamos na Bahia
no lugar das origens
porque foi lá
que um Deus bêbado
criou
os abraços
Vamos na Bahia
(Caderno nº14 / 07-11-2021)
Dum céu profundo
como o mar
A cor roxa
das nuvens
mistura-se
com uma impaciência
As aves
Me sinto desta matéria
Terra arada
debaixo da chuva
Quando o seu sentimento
surgiu
Onde começa
a nossa relação com o mundo
Onde acaba
Movimentos
intensos
Até um poema
temporário
(Caderno nº14 / 24-10-2021)
Em pouco tempo
o sol
desapareceu
Parece uma noite
mas não
Só o meu desejo de luz
A minha esperança
Assim o que não foi
tornou-se
escuridão
E agora
estou esperando
para uma estrela
Quero ver uma estrela
no dia sombra
como a sua presença
num tempo
que não mais imaginava
Escrevo
a luz
como um beijo
é matéria viva
Prolongamento do seu olho
sua mente
Somos
pedacinhos deslumbrantes
tanto como
pedra da lua
Aquela penumbra
necessária
para ver
A chama
duma vela
Perdida nesse mundo
(Caderno nº14 / 17-10-2021)
Senti uma vibração
dentro de mim
Um pássaro
atirou-se contra a janela
Não sei mais
quem eu sou
Uma folha branca
ficando
esperar para seu poema
Um olhar
adivinhando as formas
das nuvens
Um tempo vazio
uma cansada
Já ouviu falar
da leveza
Aquela dum sol
frágil
acariciando sua pele
O desejo
A beleza do dia
que já você sabe
indo embora
Para onde
para onde
Vai
As minhas malas
já estão prontas
(Caderno nº14 / 10-10-2021)
Numa madrugada
frágil
O sol
está tomando um banho
Nas águas
da noite
Daquelas que mudam
os sonhos
Moro aqui
Vem
Te mostrarei
o desejo lento
duma esperança
ou mais simplesmente
Os abraços
dum pássaro
atravessando o céu
(Caderno nº14 / 03-10-2021)
Ele se tornou
uma nuvem
Assim quando a chuva
derrubasse
o céu
Pássaros
azuis
foram confundir-se
com o mundo
Não desaparecer
Confundir
Água
e terra
Bichinho na paisagem
Fôlego dum beijo
que na doçura e tristeza
de domingo de manhã
vierem
consolar-te
(Caderno nº14 / 26-09-2021)
Deveria falar
das coisas simples
mesmo
Vi o seu rosto
num sonho
Depois acabar um livro
fazer compras
A solidão dos dias
agora
não me pesa
Nada me pesa
Eu sou uma nuvem
que teria um pouco de terra
na sua bolsa
Posso ir embora
ninguém vai me deter
Tenho o seu retrato
comigo
Assim sinto-me leve
Tão leve
(Caderno nº14 / 19-09-2021)
A bruma
entra pela porta
aberta
Ela me dá
um abraço
Numa outra vida
fui uma nuvem
com certeza
Aquela leveza
que guardamos
nos nossos bolsos
como essa parte
de alegria
Intocável
Apesar dos acontecimentos
do mundo
Pois uma nuvem não tem fim
fora
das lagrimas
que bebem as plantas
Vamos sair
vamos viver
vamos atravessar
(Caderno nº14 / 05-09-2021)
Sempre olho
a luz da madrugada
até
acordar-me
unicamente por isso
Porquê
Talvez moro nesse lugar
num tempo indefinido
Me sentindo metade duma noite
metade dum dia
Durante a noite
preciso do dia
e reciprocamente
Assim vou deixar os meus sonhos
me encher de luz
e quando o dia
tiver madrugado
completamente
Vou caminhar um pouco
Trabalhar
Mas ainda com
um pedacinho da noite
dentro de mim
Talvez penso
que está impossível
viver
sem esse movimento
Talvez
somos este movimento
Com essa bruma
de hoje
que faz uma ligação
entre a noite
e o dia que vem
(Caderno nº14 / 29-08-2021)
Um pouco daquele
tempo
basta esta luz
e o quase silêncio
O poema surge
tanto como uma lembrança
esquecido
que uma esperança
Um desejo
- Aprendi que nunca morrem
atravessando
seu corpo
até a sua mente
Um céu infinito
azul
e branco
E desse momento
tão perfeito
uma brisa leve
um retrato desconhecido
aquele ocre da luz
Um pouco mais do que a poeira
a matéria da clareza
O que foi invisível
até o momento
de repente se vê
O mundo mesmo
simplesmente ampliado
duma fotinha em mais
que desaparecerá
no instante seguinte
Até uma outra
e assim por diante
Mas esse
ocre de la lumière
também está uma possibilidade
Somos capazes
à semelhança dum mágico
fazer surgir
no mapa do céu
Estrelas
Só
pela pobreza dum amor
ou pelo menos
dum poema
Que já sabemos
desaparecendo
Mas que poderemos nomear
mas tarde
como o que é
o que se chama
Beleza
(Caderno nº14 / 22-08-2021)
Queria uma fala
outra
(sem palavra)
Um tempinho
nas suas costas
só pra ouvir
uma respiração
Poderíamos
nós encontrar
em silêncio
Deixar os sonhos
se entrelaçar
pra dar espaço
dentro nesse mundo
tão constrangido
Queria andar com você
sem saber quem você é
sem conhecer o lugar
o caminho
Abraços
Adeus
Ficar com uma lembrança
daquele momento
Um retrato
com suas bordas denteadas
- Onde foi
Um sentimento da vida
que não se controla
Como já disse
um cheiro de terra
depois uma chuvinha
Mas talvez
nós nos reconheceremos
(Caderno nº14 / 01-08-2021)
O cansaço dos dias
sem palavra
Vamos tomar um café
olhando o movimento
dos galhos
Sem nenhuma esperança
nenhuma tristeza também não
Somente a apreciação
do tempo
Um leve sabor de chuva
ponto de frio
no calor de verão
Algumas lembranças
atravessando a mente
como as nuvens
que deixam o ramo
Vamos viajar
Vamos desejar
de qualquer forma
que seja
Vamos sentir
aquele movimento da vida
que te busca
Até mesmo
sua fraqueza
(Caderno nº14 / 25-07-2021)
Com o sol que voltou
(cadê você)
Decidi me deixar
atravessar pelo calor
Momento do poema
a pedra ardente
na sua mão
Tem um lugar
Tem um lugar
Alegria foi lá
Depois te contarei
o que aconteceu
quando fosse
embora
Mas hoje o céu
parece tão
lindo
Que queria me tornar
um pedacinho
desse dia
Que veio
como um desejo
de ti
(Caderno nº14 / 18-07-2021)
Derrubei o café
sobre a mesa
duma manhã adormecido
Agora
olho no céu
nuvens se acumular
Teve muita chuva
dias passados
Até um frio anormal
nessa época
Aqui ninguém
mais sabe o que esperar
O sonho mesmo
torna-se frágil
Vamos esperar
Esperar o que
Eu não sei
(Caderno nº14 / 11-07-2021)
Duma solidão
sem espaço
Deixei
de ficar esperando
A cerca está invadida
de ervas
como se ninguém
viesse mais por aqui
A tranquilidade
torna-se silêncio
quando aparecer
pensamentos livres
Sonhos
que de qualquer maneira
atravessam o tempo
sem desfazer essa realidade
Só
me atravessando
(Caderno nº14 / 27-06-2021)
Fora do mundo
tento de tecer
uma luz
Aquela de manhã
mesmo um pouco
amarelando
Com uma palavra
pobre
Trata-se de existir
nomeando
o que no fluxo
se torna invisível
Apalpo com a pele
dos olhos
esse momento
pra ver
simplesmente pra ver
O sol
apresentando
o dia
(Caderno nº14 / 20-06-2021)
Abri a porta
pouco depois a madrugada
O calor de junho
entrou
Quero essa luz
aquele céu limpo
Azul
E duma malícia
se tornando
magia
Vir perto de ti
nas asas
dum andorinhão
(Caderno nº14 / 13-06-2021)
No silêncio
o quintal acorda-se
O que faço
aqui
Na solidão da madrugada
quando o resto do mundo
não mais existe
Talvez estou buscando
uma palavra
ou melhor
um retrato
Na qual
tem
um pedacinho do sol
Gosto da luz
Poderia viver só a olhando
A luz
e o movimento
dalgumas lembranças
(Caderno nº14 / 06-06-2021)
Descobri
o tempo
dum pássaro
Vou viver na luz
e beber o orvalho do dia
Sou uma bruta
um rufio
Preciso dum espaço
idóneo
Já deixei as relações
com esse mundo
virtual
Prefiro a pedra
Madeira
Nuvem
Olhar uma ave
pensando
no meu passado
(Caderno nº14 / 30-05-2021)
Estendendo a mão
senti o sol
Fora do meu pensamento
descobri o mundo
Um calor doce
como aquele
dum café da manhã
na esquina da rua
Silveira Martins
Pão na chapa
Café com leite
Agora vou escrever um poema
Antes de ir trabalhar
na biblioteca
do UFRJ
no largo São Francisco
É isso
reconheço o sol
ele me chamou
Eu vou
(Caderno nº13 / 16-05-2021)